Tratado de perdão



Aconteça o que acontecer, entre nós aqui, pelo nosso bem, pelo bem dos seres que têm e acreditam nos sentimentos, me promete uma coisa: Só perdoa quem quer ser perdoado, tá ok?! Essa coisa de perdoar quem não se arrepende é como investir em um presente que não vai agradar e pior, não será aceito.

Imagine um presente que você se desgasta para adquirir. Para alcança-lo você não dedica só seu dinheirinho que é bem valoroso não, dedica raciocínio, carinho e dedicação na busca daquilo que encaixe perfeitamente no que você espera. Quando você finalmente encontra, sua satisfação automaticamente projeta a cena de, no mínimo, uma recepção esperada, desejada, calorosa, com direito a um sorrisão, gratidão, abração e aquele pedido de perdão, o perdão que já tinha sido antecipado...

Mas na oportunidade de entrega que você articulou, imaginando que seria a limpeza da sujeira, o marco-zero das mazelas, o início de uma nova era... tudo vira um – mas que marmota é essa?! A pessoa faz cara feia, entorta o nariz, se sente desconfortável falando meia dúzia de bobagem que não explicam e vira as costas. Para você e para o presente.

Só que o presente material era um exemplo. O presente é você! O desgaste com todo o esforço foi seu. Foi você quem cavou dentro de você motivos, vestígios, métodos para perdoar. A perspectiva era de que aquilo que você alcançou arduamente de forma antecipada ao pedido fosse, no mínimo, reconhecido e aceito e agradecido e merecido e aproveitado... mas... mas... 

Como traduzir essa cena que te deixa ali desnorteada, no ar, caindo? Perceba: Lá está você com o presente na mão, talvez teu coração, sem ter o que fazer porque o susto não te possibilitou a reação rápida de meter-guela-abaixo antes que a pessoa esteja inalcançável o suficiente – a essa altura ela já achou por bem que seria “o melhor para você” te bloquear e excluir nas redes sociais e meios de comunicação.

Aí está você, sentindo sua tristeza desesperadora e a indiferença dela. Sobre a cabeça encontra-se uma nuvem de frustração maior que o espaço que vocês poderiam ocupar em um abraço. As vezes a nuvem explode, embaça os olhos. A sensação é um misto raiva-abandono-ofensa-humilhação-desrespeito que melhor resumir em “tudo de ruim”.

Sim, é magnífico se livrar do peso da mágoa, do rancor, do pesar... quando se tem a iniciativa de perdoar em primeira mão. Mas é ainda maior a carga de exibir o peito aberto e receber uma facada outra vez. Nunca se pensa que o esforço de esquecer uma maltrato será vão. Mas é preciso! Você sabe o quão doloroso foi o processo, mas além de não saber, a pessoa que seria beneficiada, pode não se importar.

Vamos lidar com o humor e perceber que, como diz o ditado, o apressado come cru. Ou não come porra nenhuma, engole a seco. Até na Bíblia diz que maldito é o homem que confia no homem. Pois é, é isso que acontece quando perdoamos alguém que não quer perdão. Não falo só daqueles orgulhosos que não pediram perdão, falo daqueles que a gente perdoa porque tem importância em nossas vidas, mas que já seguiram “de boa”, demonstrando que vivem e muito bem sem a gente, não se arrependem de nada, não precisam de você.

Aí cai a ficha que o que você considerou um erro, um deslize, foi uma escolha. Tem gente que não presta mesmo e não adianta dar chance, não quer prestar. O engano que ela te dedicou, você usou consigo mesmo para doar o perdão que ela não quis aceitar. Como é trágico perceber que quem quis se esforçar para preservar alguém que te machucou em sua vida foi você, em vão...

Como o presente recusado, você vai pegar o perdão e dar outro destino. Você precisa fazer isso! Você pode se presentear ao remeter aquele perdão a sim mesmo, já que no processo de perdoar você quantificou e deu foco a sua parcela de culpa na história; você pode guarda para a próxima necessidade, porque sabe que as pessoas machucam e você terá que passar por esse processo de abdicação do ego novamente, mas já sabe que só depois que a pessoa demonstrar que é isso que ela quer; você pode simplesmente dar o perdão escondido, realocar a condição que a pessoa tem em sua vida – ela não aceitou ter o pedestal de volta, mas você pode deixa-lo nas boas lembranças, no carinho que sorri, alguém que não fará mal pois ao decidir “se matar” sem querer nem amizade, perdeu o poder de te afetar.  

Ah, e eu não sei que tipo de gênio você tem, mas se foi capaz de perdoar, não pega esse presente e chuta pro ar, joga no lixo, fala tudo que engoliu com esforço, xinga e torna a situação a merda que deveria ter sido desde o início. Seja lá qual perfil você tenha, seja racional, seja educado, seja civilizado... o mundo precisa disso, de pessoas que mostre a diferença pra essa gente não humana. O esforço que você fez para perdoar faça agora para ensinar como se ama. Dedique a quem te despreza o respeito. A vergonha e o arrependimento chegam, sobrevoam, permanecem, nem que seja tarde. A consciência, meu velho, é a justiça que não falha.

Laís Sousa


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