Medrosa!

Se meu sensor não me engana, aquela mulher ali parada como quem espera, usando um vestidinho rodado, de manguinha, bege, bege como a cor de seus cabelos louros desbotados - e torço para que não seja também a cor de sua roupa íntima -, sapatilhas marrons, um pouco mais claras que suas unhas roídas cor de café, cansada e de pé, encostada na primeira coisa que viu, se é que viu e não somente designou ponto de apoio... aquela mulher é medrosa.

Delicada como uma flor, abatida, era estranho vê-la como se fosse trazida pelos ventos de outros  tempos, enquanto sua pouca idade brigava para resplandecer, como o contraste daquele pôr de sol. Em auge de seus vinte e poucos anos além de definhando em silêncio de mulher, parece dar sinais: um conflito de decisões!

Não parecia ser alcançada pelo frio ou atingida pelo calor, nem buzinas lhe importunavam naquele instante. Seria um novo rumo? Parece que nem sabe bem qual é. Talvez ela queira se transformar e nem saiba em quê, muito menos como, e no fundo ela sabe. Acho que ela encontra peso em tudo e não saber como pesar. O fato é que ela arqueia a sombracelha desaninhada a procura de uma solução. Sair de casa sem pretensão de voltar! É, ela tem cara de quem deseja isso, porque nas minhas imaginações seu semblante muda em felicidade ao aproveitar um dia de chuva com sensação térmica de prazer, daquele que goza quem acredita ser livre.

Mas ela é uma mulher confusa. E mesmo assim sinto-a ávida por novas descobertas. Eu sei que ela acredita que o mundo pode mudar assim que ela virar a esquina, talvez por isso ainda insista em não gastar seus pés ao invés do tempo e paciência na espera enervante pela locomoção. Ela não enxerga as possibilidades abaixo do nariz!

Como pode? Ela tem uma aliança na mão esquerda. CA-SA-DA?! Com aquele ar de quem não sabe o que quer e que agora já me parece é estar insatisfeita com o que não quer mais. Talvez seja um casamento de costume, que já a acompanha desde a adolescência, por afoitamento ou falta de noção, daqueles que um dia foi paixão, hoje nunca amor e o apego passa longe ao velar o que seria comemoração de 10 anos de existência. Ela era uma mulher casada e por algum motivo parecia sentir-se somente uma mulher, cheia de obrigações onde a pior delas era cumprir função, sem-saber-meio-tendo-certeza de qual era. O olhar distante de quem não enxerga muita coisa devia lhe fitar por dentro, lá devia haver medo e 10 anos.

Acho que era bom que estivesse ali, talvez perceba que as coisas ainda existem. É, existem coisas... E o vento que lambeu seu pescoço lhe arrepiou sentimento de independência, não digo carência, certamente necessidade, é! Parece que é certa e acertada a decisão de sair de casa ou não voltar... mas agora subindo naquele carro qualquer, aventurando no primeiro que reconheceu de longe, eu enxergava desistência em seu olhar, ao menos por hoje, ao mesmo enquanto estava voltando para casa, voltando a ser uma mulher infelizmente casada.

E a vendo ser levada, distante, pelo vidro que não a espelhava, mas refletia, eu só queria que ela percebesse o quanto eu queria fazê-la estraçalhar a comodidade em minhas imaginações, aquelas em que ela corria em busca da felicidade... mas com um passado frustrado e um presente medíocre, ela perde-se nos labirintos do futuro, da estrada, do que deveria ser amor.




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