A exaustão da felicidade


 
Um desaforo que te deixou sem reação e você levou para degustar em casa ou aquele choro no lugar de um discurso que você só teve coragem de pronunciar na frente do espelho; aquela apunhalada que você até preveu o risco, mas nada como sentir na pele; aquele convite que você não recebeu e na hora até gostou, mas não esqueceu que foi esquecido; aquela ligação não recebida, aquela data esquecida e o parabéns que ficou por receber. Aquela amizade desprezada e aquele gostar não recíproco; aquele cuidar discreto; aquele reconhecimento que não existiu; aquela sensação de que o universo se esqueceu de colaborar; aquele desculpar desmerecido; aquele superar "na tora"; aquele compreender superficial; aquele relevar porque é o melhor a se fazer; aquele seguir a diante sem determinar fins... machucadinhos acumulados e que só nos damos conta quando acordamos um degrau abaixo da alegria esperada.

Falar da infelicidade, que a pressão pela alegria trás, está na moda - estudiosos apontam, colunistas escrevem, Na moral exibe -, mas talvez a ficha de que o final feliz, que estampam a maioria das ficções como pegadinha, esteja caindo. Ser feliz não inibe ninguém de estar triste e, como ainda não entrou na lista de bons modos respeitar a tristeza alheia - a menos que seja por caso de morte ou perda extrema -, sentimento tão legítimo quanto a felicidade, vou insistir no tema!

Porque como se fosse bomba relógio, uma hora todos estamos sucetiveis a explodir. Nos encontramos tristes sem motivo óbvio aparente, indispostos para seguir, descrentes em melhorias e talvez com memórias mais viris que tudo. É um sentir doíííííído que desconcentra e faz suco lá dentro... a atenção se volta para nós, o que nos incomoda, quem nos desapontou, toda nossa impotencia, tensão, ansiedade, inquietude, nossa repugnação e frustração, nosso cansaço. E a gente se permite a sensibilidade, a fragilidade a ponto de ser intolerantes com quem não tolera nossos momentos. 

Nesses dias nem clássica, nem reggae, nem rock. E não importa se tá fazendo feio! Nesses dias a gente não camufla a introspecção, não participa de brindes sem ter a quê brindar, não expõe um sorriso forçado, não repete o "bem" para todo mundo que perguntar desinteressado no seu real estado. Nesses dias a gente dispensa os conselhos, os incentivos, a preocupação de quem não enfrenta sentimentos preferindo maquea-los e espantá-los como se fossem caminho sem volta. Nesses dias não há ânimo ou revigoração, deixe que descanse o "tenha fé em Deus" ou "tome um antidepressivo", nada de fórmula ou necessidade de uma mera explicação...

Cada organismo absorve de uma forma - talvez o que se precisse é ficar quietinho para reestabelecer força e sabedoria ou, escolher alguém no meio dos amigos online para desabafar, dar crise de riso em velório e crise de choro em aniversário de 1 ano. Sair em galera e falar merda como se não houvesse amanhã, calar comendo chocolate até a barriga doer. Chorar, simplesmente chorar com ou sem colo, limpar a alma. Ou ainda de tempo, só tempo, para reajustar os focos e perspectivas.

É aí que a gente ressurge, sabe?! Sem nenhum psiquiatra, sem detectar anomalia ou doença contagiosa. Nada sério ou complexo demais. Foram pancadas que nosso suporte, depois de horas, dias, meses talvez, não mais aguentou e precisa descarregar... a nossa força aparente deu lugar ao que, no fundo, tava absorvido e silente. Aí, estamos de volta, não prontos para outra, cientes que existe exaustão de felicidade, mas que vale a pena recuperar a danadinha.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Traição

Patinhos à venda

Lição de Jumentinho;