Nossa esquina




Uma esquina é um lugar que alguém apronta. Uma esquina é o lugar que me educaram a não me prolongar. Deixa estar, foi o lugar onde nunca quis ficar. No entanto, nunca tinha parado para pensar que, numa esquina também, caminhos podem se cruzar...

Vi você sozinho debruchado no peitoril do primeiro andar daquele prédio bem localizado, com tantas histórias pra contar... Nossos olhares não se cruzaram. Você tinha dificuldades na visão e para estar ali era específica minha intenção. Mas esperávamos: você, um vento forte, eu, uma ligação. Éramos paralelos, mesmo que puxassem a todo custo a minha reta para próximo da sua.

Lembro de ter saído da minha casa, alcançado a maior proximidade da tua sacada e olhado para cima esboçando uma reclamação que pudesse ecoar o meu desejo frustrado de mudança no status de falta de sinal. Talvez foram 15 dias que se passaram, mas dessa vez, você me avistava no escuro e puxava o assunto que eu cortei, ainda que esboçando um riso desconfortável, um mexer de canto de boca para disfarçar a intransigência e incentivado por toda minha insistência em demonstrar mais simpatia. Achava que em você, aquela atitude de mexer com quem passasse era nata, a fim de unir pontos de uma travessia...

Sabia teu nome em 3ª mão e teria dificuldade de recordar acaso cruzássemos em outras pistas. Você foi adorável nos outros dias, mas raramente te via chegar, e eram noites, quando entre milhares de outros rostos você surgia em praça privada, mais de alegria. De longe, com os olhos que exalavam curiosidade e necessidade de afeto, você me inibia.

Foi pouca a demora para que cruzassemos juntos a esquina do seu prédio, que se tornaria meu. O sinal estava fechado, cogitei fugir, mas não havia faixa de pedestre. Tentei ser mais veloz que os carros, talvez passar despercebida, mas me identifiquei com teu toque de identificação - mudou o rumo, o IP da conversa e sorriu amigavelmente. "Calma!" e já não me assustava mais com o desgoverno daqueles corsas acelerados quando sua guia tinha forma cuidadosa de me tratar. Ou a culpa foi da falta de sinalização que ainda assim me deixou vermelha por certo tempo...

Desisti de atravessar a rua e me fixei. Já sabia mais que seu nome e sobrenome. Parei de brincar de cócegas com suas mãos e segurei-a razoavelmente forte. Deveria ser a forma de te fazer enxergar que nossas mãos se encontrariam numa esquina. Se não fosse nessa, deveria ser em outra qualquer, por mais longa que fosse a avenida que tivéssemos que atravessar. Porém, as várias quebradas de rua, de ventos, de saias devem ter tornado poderosa a inveja do tanto de amor, desejo, afinidade e curiosidade que no encontro dos nossos destinos, olhares e mãos poderia habitar.


Por mais escuro que esteja, sei que é em tua direção que quero seguir...



Com esse texto eu resgatei lá do fundo da minha memória uma cena da novela Celebridade onde Inácio (Bruno Gagliasso) e Sandra (Juliana Knust) se entendem e marcam meu coração. Ao som de ENCOSTAR NA TUA da Ana Carolina! ;) 

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