Cicatrizes.

- Tiaa, tá dodói?
Sempre detestei cicatrizes, fazia o máximo pra fugir delas como o cão da cruz, como crianças medrosas, como uma displicente precavida. Trocava-as facilmente por manchinhas roxas nem sempre explicáveis, mas certamente mais bonitnhas. Sempre encarei como experiências desnecessárias, que só serviam pra aumentar o nível de feiúra na pele, no corpo, na vida.

Ganhei uma esteticamente grande e terrível. Dizem por aí que temporária, tempo esse que pra mim arrasta. Arrasta e fixa em mim o cheiro da abençoada babosa, do fedorento hipoglos, a cor da rifocina, o efeito do soro fisiológico e das malditas gases. Uma porcentagem deliciosa de mimo e cuidado destinados de muitos querido, vai... Mas o fato é que hoje cicatriz tem mais sentido!

Já penso que a desvalorização das cicatrizes se encaixa na infância. Quando crianças, Deus protege a mais e e a memória apaga fácil...rs. Mas hoje, quando olho minha cicatriz, mesmo que circunstâncias externas tenham preparado ela para mim, lembro da dor, lembro do processo de cura, lembro de ter receio, de ter cuidado, de tentar calar uma preliminar de medo do que pode vir e não posso afirmar ter força para uma próxima. Quando olho pra cicatriz hoje, sei que existem marcas que não são curadas, e quando elas são internas então...

Talvez a dor física seja uma demostração gratuita (ou tenha um preço árduo), ínfima e temporária do que pode causar aquilo que ataca o coração. As palavras, os motivos, as ausências...

Cuidado ao machucar alguém, são feridas que deixam cicatrizes que podem sumir com o tempo ou não, ficam as marcas, as famosas tattoos em 3D, nem que sejam na memória quando insistem em latejar nos dias nublados.


"Tudo o que nos invadiu com intensidade, tudo o que foi realmente verdadeiro e vivenciado profundamente, não passa. Fica. Acomoda-se dentro da gente, e de vez em quando cutuca, se mexe, nos faz lembrar da sua existência."  (Martha Medeiros )

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